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Crônica do mundo paralelo III

a experiência de vivenciar uma pandemia; atravessála de parte a parte e neste claustrofóbico espaço, encarar o horror das suas possibilidades, tem sido de fato uma desventura inimaginável.

temos; eu e os meus tantos colegas, passado por todo tipo de perda. tivemos baixas, entre os nossos. temos assistido o desamparo ganhar campo. observamos que as crises de ansiedade estão mais poderosas, e a resiliência, têm se distanciado do fator humano.

ainda assim, diante deste caudaloso cenário, é comum nos perguntarem coisas do tipo: “vocês são a favor do lockdown?” ou, “a coisa tá feia mesmo, como tão dizendo, ou isso tudo é só pra criar pânico?”

muitas das vezes, essas perguntas são concatenadas dentro do serviço, durante os atendimentos; ora pelo paciente, ora por seu acompanhante.

há tempos ( batemos os doze meses de enfrentamento ao covid19 ), da parte que me toca; deime conta de que os meus indagadores sempre usam da retórica. eis a razão da minha impaciência, mesmo sabendo da importância de regar toda a planta, inclusive, os espinhos: bemmequer, malmequer.

ainda assim, respondo em tom solene e enriqueço com uma boa pitada de ironia, qual seja a situação: “perdoa a falta de jeito, mas tenho duas coisas pra te dizer, sobre o assunto: a primeira é que tenho sofrido pequenas faltas na memória e a segunda, eu não lembro muito bem.” dito isso, me afasto e busco o próximo atendimento.

nesse ambiente insano, cruel e perturbador, também há tempo para boas partilhas, entre os nossos, nossas histórias e as histórias dos que se aproximam.

uma senhora aproximouse de mim, bem no início do plantão e me perguntou em tom fraternal: “você é o hang ferrero?”, respondi afirmativamente e ela completou há aproximadamente doze anos, numa palestra, você me incentivou a fazer enfermagem. me formei porque você me inspirou e especialmente, pelo que temos enfrentado nos dias de hoje, te agradeço muito, por isso.”

têm coisas, que salvam uma noite de plantão. agradeço, eu.

4 Comentários
  • Responder
    9 de março de 2021, 21:38

    Passei pelo menos uma noite de Plantão contigo… Lendo-te e vivendo-te nestas (In) sanidades que nos rodeiam e nestas sementes de alegria que por vezes em nós semeiam…

    • Responder
      11 de março de 2021, 11:34

      Puxa vida Estevam… Sabe que vez em quando exatamente isso me ocorre? Que boa parte das pessoas pudesse passar algumas hs conosco, dentro do serviço, pra de fato “enxergar” o significado de tudo isso. Se depois de tudo, nada pudessem vislumbrar, eu, pobre operário desta jornada, aceitaria de vez viver por aqui, como um refém dessa “sociedade incivil”. Grato, querido amigo, pela semeadura…

      • Responder
        11 de março de 2021, 17:08

        Uma experiência desta a maioria irá viver mais cedo ou mais tarde como pacientes não tão pacientes…

  • Responder
    19 de março de 2021, 19:23

    Texto incrível! Desejo força e proteção para todos vocês que estão sendo os verdadeiros heróis dessa insana história. E que a poesia não saia jamais de cena. Abraço!

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